Tradução do Beatriz Cannabrava, Revista Diálogos do Sul
Desperta, observa o relógio, são quatro e vinte e dois da madrugada. Abraça os lençóis e se estira na cama, levanta-se e põe a água para ferver para o café. Escova os dentes e enquanto a água ferve, Cecilio se assoma à janela, do outro lado uma escuridão espessa, que logo dará passo ao amanhecer, lhe recorda que são os últimos dias do verão.
Logo terá que guardar a roupa de verão e começar a ventilar a de inverno que ao terminar a estação guardará um sacos plásticos e para que não tenham cheiro do descanso lhe põe raminhas secas de lavanda e folhas das ciprestes que as pessoas compram para o Natal e jogam no lixo depois de três dias.
Também do lixo que as pessoas jogam fora, em abril, mobiliou seu estúdio alugado e se deu ao luxo de trocar a decoração a cada ano. Nos Estados Unidos o que é lixo para uns são artigos de primeira necessidade para outros. Assim Cecilio tem trocado em uma infinidade de ocasiões suas louças, as panelas da cozinha, o sofá da sala, as cortinas da janela e as molduras para as fotografias familiares. Essas ele as cuida com muito cuidado, antes as enviavam em encomenda, hoje as enviam por mensagem ao celular e ele vai ao supermercado da esquina para imprimi-las
Assim viu crescer a ramagem familiar, tem sobrinhos aos montões. Das coisas que mais lhe admiraram ao chegar ao país foi precisamente essa, que os gringos têm filhos até bem entrados nos anos, e não passam de um ou dois, jamais viu um casal com uma fileirinha como é comum em seu país.
Nos primeiros anos tinha saudades de sua terra, com o tempo a saudade que lhe afogava se foi convertendo em uma espécie de recordação cálida que aparece de vez em quando. Quisera contar à sua mamãe que está enamorado, que se casou e que seu companheiro está arranjando os documentos para que por fim possa ir visitá-la, passaram vinte e três anos desde que se foi, mas tem medo de que o rechacem ao saber que seu grande amor é um polaco de terceira geração que se enamorou de sua pele cor de terra.
Cecilio serve duas xícaras de café, torra dois pedaços de pão e os unta com geleia de romã que compra em um supermercado turco. Com um beijo desperta o polaco para que tome o café da manhã enquanto lhe prepara o almoço que levará ao trabalho.
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Ilka Oliva-Corado @ilkaolivacorado