Entre o bulício e a serenidade: um copo vazio e silêncio são necessários para viver

Tradução do Beatriz Cannabrava, Revista Diálogos do Sul

Há dias nos quais quero escrever e não posso e por más que tente não fluem as palavras, elas se escondem. As ideias se tornam nós cegos na minha cabeça e não posso desfazê-los. Acendo incenso, fumigo meu quarto, preparo um chá, realizo alguns exercícios para alongar os músculos, respiro profunda e lentamente. Torno a tentar. E passam os minutos e às três linhas na folha em branco não avançam, então sei que não é meu dia para escrever. O copo está vazio, não devo escrever quando o bulício não me permite expressar-me. Necessito silêncio. 

Por essa razão meus textos são publicados um dia qualquer a qualquer hora, porque é assim: escrevendo-os e publicando-os; se eu guardo um texto o mais provável é que não o publique. Tampouco os releio, se torno a lê-los depois de escritos já não gosto do que escrevi e perco completamente o interesse; não quero nem tocá-los. Eu mesma não posso decidir sobre o que escrever, nunca sei o que escreverei até que flui nessa folha em branco, minha escrita é da alma e não do cérebro. Tampouco posso escrever por encomenda, me bloqueou completamente e, porque também não gosto que as pessoas me digam sobre o que escrever. Defendo completamente o direito da minha escrita ser ela mesma. 

Esse tempo de silêncio pode durar um dia, três dias, semanas (embora há alguns anos durava meses) em que me afasto do computador. E quando volto usá-lo pode ser que escreva um relato ou um artigo de opinião. Porque a poesia só vem a mim quando ela quer. Há dias em que na madrugada, me desperta a desoras só para que a escreva, há dias ao entardecer, de noite, por isso sempre tenho um caderninho e uma lapiseira comigo, porque ela chega de repente e vai embora. Como uma chuvarada, como a ventania, como uma nuvem que passa, como névoa de alvorada, como o rócio das flores das dez que ao meio-dia começam a dobrar suas pétalas. Mas para que ela chegue eu devo estar em completo silêncio, ela não me visita se o copo está cheio ou meio cheio, deve estar completamente vazio. E chega para saciar-me, para acalmar minha sede, para abrigar-me, para encher de flores os cestos vazios.

Não posso escrever mecanicamente, dizer tal dia a tal hora escreverei um texto sobre, tal coisa. Não posso. Minhas letras são como eu. Não importa se é relato, poesia ou artigo de opinião, todas têm minha personalidade, meu caráter. São toscas como eu. Rudes e ariscas. Honestas, isso sim. Quem quiser me conhecer só tem que ler minhas letras, nem em pessoa poderia ser tão real como sou escrevendo. 

Há dias nos quais não posso escrever, as palavras não dançam, não há harmonia. E pouco a pouco vou aprendendo a ser paciente, a esperar, a respirar pausadamente para dar a elas seu espaço e não as afogar, para que não se cansem de mim. E guardo distância e as deixo sós, livres para que voltem a mim quando sintam que necessitam da minha companhia. Antes, quando elas se iam eu agonizava, não podia respirar, me sentia encarcerada, abandonada, relegada e sofria muito pela inexpressão porque já sei o que é estar aí. Mas escrevendo fui aprendendo a esperar, a viver quando elas não estão, embora sinta sua falta. A entender que o copo vazio e o silêncio são necessários para viver porque põem pausa, baixam o ritmo e formam um equilíbrio entre o bulício e a serenidade.


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Ilka Oliva Corado. @ikaolivacorado

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