Nosso falso escrúpulo

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Tradução de Raphael Sanz

Me pergunto qual é o limite da nossa forma dúbia de ver o mundo, e da indolência que nos carcome. Até onde chegará nossa massagem de ego? A Guatemala terá solução? Me pergunto constantemente e muitas vezes com a moral no chão. Em que momento a desonramos desta forma?

Penso na minha terra e me dói a medula, como há de doer a muitos que também a amam. A terra de onde fomos embora de corpo, mas jamais de alma e que na distância fez nossas feridas gangrenarem, onde ficaram aqueles avatares do cotidiano na mesma perturbação. Eles e nós no mesmo vaivém: uma pátria compartilhada, nossa, amada.

É ignorância? Me pergunto tratando de justificar a indiferença da sociedade e a forma em que atua como massa amorfa totalmente alheia a seu tempo e à história, indo para onde empurre o poder do capital: dos corruptos, dos genocidas e dos impunes. Busco mil pretextos, raízes milenares e razões de toda índole para tratar de amortizar o golpe seco da realidade de uma boa parte da população carente de consciência e integridade. De uma sociedade injusta e desigual: que condena, discrimina, manipula e se aproveita daquele que tem menos. Que pretende não ver para que isto não a obrigue a questionar e agir. Que elude por comodidade e para não oferecer risco a sua ínfima zona de conforto nesse egoísmo próprio de quem é classista, racista e de mente colonizada; que age quando convém e para benefício pessoal.

De uma sociedade que cala quando deve gritar, que se esconde quando deve tomar as ruas, e que se acomoda quando deve caminhar sobre a corda bamba buscando uma mudança profunda e real, tão necessária e urgente. Que deve armar-se de valor diante do abuso e das farsas, e fortalecer sua Memória Histórica e sua identidade, nas nuances próprias e de seus mártires. Na dor alheia que também pela humanidade deve ser sua própria dor. Um anseio que venha das veias.

Qual é a razão? Me pergunto, buscando uma explicação para a ociosidade, preguiça e apatia. Não há. A indolência e a inconsistência não têm justificação. Sempre fomos assim? Em que momento ultrapassamos os limites? Em que momento nos desumanizamos? Em que momento decidimos alimentar o egoísmo, o oportunismo e demos poder total ao patriarcado que nos ataca diariamente? Em que momento decidimos apalavrar o feminicídio e a violência de gênero e os deixamos entrar em nossas casas e tomar o controle das ruas? De cada esquina e cada palmo da nossa sociedade?

Por que deixaram de nos importar os nossos filhos e os nossos adultos maiores? Em que momento decidimos acusar e sentenciar a menina, a adolescente e a mulher estuprada para justificar o estuprador? Onde, baseando-nos em que fé de que Deus dos tantos que nos inventaram para nos manter submissos e alheios: aos pés de uma divindade patriarcal?

Em que momento perdemos a sensibilidade? Deixamos de ter sangue nas veias e nos tornamos inconsistentes: ralos e inconsistentes? Deixamos de amar os rios, a fauna, esse ecossistema que embeleza nosso país e, de lambuja demos carta aberta a empresas transnacionais para que nos deixem apenas detritos, miudezas e escórias no lugar onde antes houve vida? Em que momento deixamos de cheirar à fragrância das flores silvestres e a mudamos por uma vida de aparências, fingindo sermos quem não somos para calcar um lugar do qual não pertencemos? Em que momento trocamos os afetos pelos contatos?

Em que momento a corrupção, o tráfico de influências e a impunidade nos alcançou a todos, já que somos incapazes de reagir e fazemos fila para que nos pisem. Com que moral podemos exigir uma mudança no país se propiciamos com nosso cotidiano e nossas ações nele postas, aparentemente insignificantes (por não serem públicas), o caos de um país em decadência?

De que coincidência e de que integridade falamos se somos homofóbicos, distorcidos, deformados, hipócritas, manipulados e manipuladores, classistas, racistas e patriarcais? Qual é o futuro que espera a Guatemala com uma sociedade conformada por nós mesmos: moralistas de falso escrúpulo?

Quando chegará o amanhecer na Guatemala? O que estamos fazendo para que amanheça? Individual e coletivamente. Dentro e fora do país. Como um todo, bonito por sua diversidade: de etnias, cores e idiomas. Penso na Guatemala e me desmorono, porque a Guatemala é essa infância que marginamos e condenamos a viver na miséria, alheia a oportunidades de desenvolvimento e fundida no desamor da indiferença.

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Ilka Oliva Corado. @ilkaolivacorado contacto@cronicasdeunainquilina.wordpress.com

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