Guatemala: Indígenas denunciam perseguição a jornalista e grave ataque à imprensa

Tradução do Beatriz Cannabrava, Revista Diálogos do Sul

Guatemala, país de desigualdades eternas e racismo enraizado até no açúcar do café. País de classistas mortos de fome. Nessa Guatemala que se desborda de poesia e memória nos trajes típicos das mulheres indígenas e de sacrifício e trabalho milenar em suas mãos e costas, a exclusão é posta pelos mestiços que desde sempre se acreditaram superiores pela etnia e classe social. 

Nessa Guatemala de indígenas massacrados e desaparecidos em massa, na Guatemala da desmemória coletiva, do abuso governamental, do desflorestamento, dos ecocídios, da migração forçada, dos abusos de bandos de criminosos saqueando o Estado. Essa Guatemala de mestiços se gabando de ter meninas indígenas como empregadas domésticas em suas casas. De indígenas se cansando de carregar as sacolas dos mestiços no mercado La Terminal. 

Guatemala, onde se viveu um dos genocídios mais atrozes da história latino-americana que buscava exterminar os povos originários. Pouco mudou desde então, os indígenas continuam sendo humilhados, excluídos e explorados. Suas terras continuam sendo roubadas por oligarquias que o Estado solapa; as águas dos rios contaminadas deixando comunidades inteiras sem sustento. Porque na Guatemala das eternas desigualdades e do racismo, os povos originários são os mais maltratados, mas também os mais dignos. Choram sozinhos seus mortos, como se a morte de um indígena não tivesse o mesmo valor que a de um mestiço, como se massacrar indígenas fosse como exterminar pragas. 

Se cuidam entre eles, se abrigam entre eles porque só têm a eles mesmos; os indígenas na Guatemala, como parte da sociedade e da população, só existem para serem explorados. Guatemala está de pé nas suas costas, o país respira graças às remessas que enviam milhares de migrante indocumentados; e esses migrantes são em sua maioria indígenas que tiveram que abandonar seus povoados para ir buscar a vida em outro país. Então, apesar de serem discriminados por seus próprios conterrâneos eles os mantêm com suas remessas. Guatemala não subsiste graças aos mestiços, consegue respirar apenas pelas remessas de milhares de indígenas. Os mesmos indígenas, está provado, que em tempos de crise dão às mancheias, tiram o bocado da boca para dá-lo a quem tenha necessidade, sem parar pra pensar em etnias. 

 E isto se vê também nas lutas pela defesa do meio ambiente; são os indígenas que a enfrentam, os que defendem a água dos rios, os que defendem os bosques, os direitos humanos de seus povos. E quando atacam, violentam ou assassinam a um deles, são eles os únicos que saem a denunciar. Está patente o caso das mulheres ixiles que denunciaram haver sido violadas por membros do exército em tempos de ditadura, no julgamento por genocídio em 2013. A sociedade as deixou sozinhas, não só as acusou de mentirosas, também as discriminou por sua etnia. 

Está o exemplo do Massacre de Alaska, em 4 de outubro de 2012, quando 7 pessoas indígenas foram massacradas por soldados do exército no quilômetro 169, no Cume de Alaska quando se manifestavam pacificamente junto a outras centenas, em defesa da educação e protesto pelo aumento da energia elétrica. Até o presente os familiares dessas vítimas continuam lutando por justiça na Guatemala da eterna impunidade. A sociedade também os deixou sozinhos, eram indígenas, que os mestiços não reconhecem como pessoas. As populações que em Petén, fronteira com o México são tiradas de suas casas por dúzias de policiais e soldados, para entregar suas terras a grileiros. Que sociedade está com eles?

Quando detêm e violentam a jornalistas indígenas comunitários só os povos originários estão com eles. E como exemplo também recente, a detenção da jornalista comunitária Anastasia Mejía Tiriquiz, diretora da estação de rádio Xol Abaj Radio e Xol Abaj Tv, no município de Joyabaj, Quiché. Está sendo acusada de sedição, atentado agravado, incêndio provocado e roubo agravado porque documentou e informou sobre irregularidades de gestão e manejo do prefeito de Joyabaj, Francisco Carrascosa e as manifestações da população contra ele. Ou seja, as autoridades de turno não gostaram que a jornalista documentasse com vídeo e áudio as imagens da população manifestando seu rechaço à sua gestão na prefeitura e por isso sua detenção não só para amedrontá-la, mas para calar a expressão e a denúncia.

Estas detenções a jornalistas comunitários acontecem regularmente em um país onde a impunidade socava toda luta por justiça, jornalistas que são discriminados por parte de seu sindicato, onde abundam os mestiços, classistas e racistas que os ofendem por sua etnia, mas também porque estes comunicadores não contam com o título universitário que os credencie. No caso da jornalista Anastasia Mejía Tiriquiz ficou muito claro o racismo e o classismo do sindicato de jornalistas do país que, quando tocam a um dos seus saltam com unhas e dentes, mas quando é um indígenas, que se defenda sozinho. O que não surpreende, porque em um país onde o racismo e o classismo está até nas moscas do prato de comida, seria raro que a entidade de classe agisse com solidariedade e humanidade, nenhuma das quais são dadas pelo diploma universitário, e disso os povos originários sabem mais do que ninguém. 

Com que sacrifício os jornalistas comunitários escrevem seus artigos de opinião, realizam seus vídeos, suas notas de áudio, tiram suas fotos, denunciando o que acontece em suas comunidades, pois não contam com os recursos materiais nem com o financiamento de nada, é do seu próprio bolso, não trabalham para nenhum médio onde lhes paguem salário, o fazem pela necessidade de informar suas comunidades. Além de todo o abuso governamental, o racismo e o classismo próprio do país, é incrível que o sindicato não se solidarize com eles e os ignore, com isto colocando-os em posições mais vulneráveis ainda contra o abuso. Mas não fazem falta, os povos originários têm se defendido sozinhos desde sempre e o continuarão fazendo. 

Os povos originários da Guatemala exigem a liberdade imediata da jornalista comunitária Anastasia Mejía Tiriquiz. E junto a eles aqueles que acreditamos no direito à liberdade de expressão e em que um título universitário, uma etnia ou uma classe social não dão coragem nem dignidade a ninguém, nem as tira. 

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Ilka Oliva Corado @ilkaolivacorado

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