Em dias de chuva, como hoje, a Guatemala me brota pelos poros e inunda meu quarto

Tradução do Beatriz Cannabrava, Revista Diálogos do Sul

Meus pés caminham outras terras, mas meu espírito em dias de chuva, volta a chapinhar nos lodaçais dos caminhos que abrigaram minha infancia.

Sim, sim, sim, regularmente fumigo meu quarto, como nesta manhã de chuva. O aroma da folha de tanchagem me faz recordar o cheiro dos fogões acesos na Guatemala popular. Aqui não há fogões, nesta enorme urbe industrial só há fábricas enfileiradas no Bairro das Empacotadoras, embora uma outra vez vi um forno em uma chácara fora da cidade e fiquei sem fôlego e não podia respirar; um forno!

Gritei e corri desde o pequeno estábulo onde estavam as cabras e cruzei a horta e cheguei no telheiro que no centro tinha um forno artesanal. Um forno! Tornei a gritar emocionada e meu grito foi escutado pelas cabras, tomates, alfaces e macieiras e pereiras que começam a se encher de frutas tenras. Sentei-me a chorar na sombra do telheiro enquanto o imaginava fumegando, com salpores, quesadillas, marquesotes e semitas da minha Comapa natal.

Sim, sim, sim, em dias de chuva, como hoje, Guatemala me brota pelos poros, inunda meu quarto, sua névoa entra pelas frestas da janela e se balança nas teias de aranha que nunca limpo, e eu perco a noção do tempo e confundo as árvores, e nas tulipas vejo flores de maio, nas cerejeiras em botão, flores de chacté e a grama que começa a reverdecer parece o resto da arada em meu Grande Amor. Tudo se distorce nos dias de chuva, como hoje

Sirvo-me o café fervido em um caneco de barro da aldeia Las Crucitas, a paisagem do rio Paz se estampa nas paredes sobre meus abstratos e o som da água caindo desde La Joya nas pedronas da quebrada se harmonizam com o gotejar desta manhã. Os dias de chuva têm um estranho encanto, um poder subliminar que faz com que Guatemala brote por meus poros e plante no jardim os ciprestes, os tanques, as semeaduras da Maria do tomatal; as páscoas, as cepas, as ameixas, o caminho e o caminhão, e estampa como uma  enorme pintura impressionista as memórias mais felizes da minha infância na Ciudad Peronia.

Sim, sim, sim, me fui de corpo não de alma, meus pés caminham outras terras, mas meu espírito em dias de chuva, como hoje, volta a chapinhar nos lodaçais dos caminhos de terra que abrigaram minha infância. Eu o observo, sorvendo meu café fervido e saboreando imaginariamente no paladar uma semita das da Adelona. Tempos de flores de izote e dos últimos jocotes vermelhos de Jalpatagua, tempo de semear o milho para que a semente germine com os primeiros aguaceiros de maio. Tempo das últimas mangas, de pashte ou de brea e tempo também aqui, nesta enorme urbe industrial, da primavera que em seus dias de chuva faz com que Guatemala brote por meus poros e o gramado verde do jardim se converta em um livro de histórias dos que nunca acabo de escrever. 

Sim, sim, sim, continuo fumigando meu quarto, porque o cheiro da tanchagem me fez recordar os dias em que cortava chipilín e escobillo no campo recém arado, em meu Grande Amor, em dias de chuva, como hoje. 

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Ilka Oliva Corado. @ikaolivacorado

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