Tradução do Beatriz Cannabrava, Revista Diálogos do Sul
Clemencia comprou feijão maduro, ia por chiles doces e cebolas, mas o feijão lhe saiu ao passo desde a cesta da senhora Maria. Primeiro parou de cabeça para baixo, levantou as mãos e dançou, mas Clemencia estava entretida buscando os chiles mais atrativos . O feijão não se deu por vencido e utilizou sua última ferramenta, se lançou de barriga sobre os maços de sete montes, sabia que era a única forma de chamar a atenção da despistada.
Com cinco chiles na sacola, Clemencia procurou as cebolas, mas como um montão espesso de fim de inverno, apareceram os sete montes. Sentiu o cheiro de sua infância chegando desde as montanhas da Serra das Minas. Sentiu um arrepio e se inundou de recordações de quando vendiam queijo fresco, creme requeijão o soro na casa de seus pais, em Teculután, Zacapa.
Os anos em que chovia , a mãe gritava de onde estivesse, que fossem a tapar os espelhos com uma toalha e que desconectaram o televisor, rituais que Clemencia não segue e que não ensinou a seus filhos. Da fato, seus filhos não sabem o que é o requeijão e muito menos o soro de vaca, se ela lhes contasse que sua mãe punha uma ferradura de cavalo atrás da porta com uma réstia de alho, não o acreditariam e lhes diriam que de onde tirou essa história. Muito menos lhes diria que regava a entrada da casa com água de sete montes ou que o maço a deixava em um jarrão embaixo do mostrador.
Lhe acreditariam se lhes contara que cresceu varrendo o pátio com uma vassoura de palha? Primeiro lhe perguntaria; que palha? Não, seus filhos não a imaginariam assim, regando o pátio com bacia ou lavando a roupa à mão e estendendo a roupa em um laço. Muito menos lhe creriam que também ordenhava as vacas que comprou seu avô materno para que sua mãe começara com um negócio e não estivesse à espera de que Silverio, seu esposo, lhe desse dinheiro. Mas é que , se lhes contasse que seus pés se enchiam de bolhas, lhe diriam o que lhe passou, se sente bem ou está delirando, que é tudo isso de que está falando. Não creditariam que cresceu comenda tortilhas, as mesmas que estão proibidas em sua casa, como a papa, as bananas e tudo o que diz sua treinadora pessoal e a nutróloga da família que não se deve comer.
É sua culpa, Clemencia se leva a mão ao peito, ao longe escute a voz da senhora Maria que lhe pergunta o que vai levar, mas não distingue, não capta o que lhe diz, a vê mover os lábios, mas não entende o que lhe está dizendo. É sua culpa, se diz a ela mesma, é sua culpa por não lhes ensinar de onde vêm, quais são suas raízes, por isso são uns adolescentes arrogantes, que creem que porque têm dinheiro e cinco empregados em sua casa ao serviço de todos seus caprichos lhes pertencem como se foram seus sapatos.
É sua culpa não ter acercado à sua família, a suas raízes, em troca sim com a família de seu esposo, endinheirada, com bons modos, que viajam ao redor do mundo quando querem e vivem de férias em férias. Por que renunciou à sua identidade? Um golpe de realidade lhe cai como balde de água fria, porque escondeu sua família e nunca os visitou se não lhe fizeram mal, ao contrário seus pais se desviveram por ela e seus cinco irmãos. Por que seus filhos não conhecem seus tios, nem a seus avós?
Por que inventou um título universitário que não tem? Para não os envergonhar em ser a única na família sem título da universidade? Que estúpida, se diz e se dá um golpe na cabeça com a mão. A senhora Maria lhe segue perguntando o que vai levar, vê a Clemencia mais despistada que o de sempre, com quem estará falando agora?
Clemencia vai ao mercado todos as quintas-feiras, a leva um dos motoristas, embora as empregadas encarregadas da casa são as que fazem as compras no supermercado, Clemencia tem o mesmo ritual de quinta-feira há quinze anos. Necessita sentir as verduras e as ervas frescas, sabe que jamais se compararão com as do supermercado por muito dinheiro que pague ao comprá-las.
Dona María sobe a voz, que te passa, Clemencia, lhe pregunta e a faz voltar em si. Dona Maria, como está, dê-me por favor uma réstia da cebola, quisera levar-me os sete montes, mas não tenho onde pô-los e regale-me por favor cinco libras de feijão maduro. Os feijões se dão a mão e começam a saltar juntos, afinal a Clemen os levará, lhes encanta ver desde as janelas da cozinha o quintal cheio de grama verde, a piscina e o jacuzzi, embora depois terminem envolvidas em massa. Clemencia viu o feijão verde durante anos, sempre no meio do inverna e quando é o tempo do atol de elote, os elotes asados com limão e sal, do chipilin com arroz e creme e dos tamalit0s de feijão maduro.
De quando em quando a Clemencia lhe dão estes golpes de realidade, a chama a terra onde nasceu, sente na boca do estômago um sopro gelado quando tem saudades, mas nunca se atreveu a regressar, somente lhes envia dinheiro a seus pais mensalmente. É muito o que tem que perder, uma vez ao mês dono Maria lhes leva tortilhas, Clemencia as come a escondidas em seu quarto, com queijo fresco que compra no mercado. Depois as vomita, seria incapaz de subir de peso e que suas amigas a julguem e pior ainda sua família política. O feijão madura dá de presente às empregadas para que façam seus tamales, o mesmo com o ayote e a rapadura e vejam que má empregadora não é.
Se despede de dona María, se sobe ao automóvel donde lhe espera e motorista e se vai, no caminho se prepara para entrar de novo en sua personagem, deixa ser Clemencia e se converte en Valentina, em fingir se tem convertido em uma especialista, total, tudo o que têm ao redor é falsidade. Se leva as mãos na cara imaginando-se que , se em seu povo soubessem que tomou o nome Valentina para encaixar na sociedade, imediatamente lhe chamaria tina, banheira, jorro de água, charco , olho de água onde tomam água as vacas, até o feijão madura e os sete montes se iam rir dela , sabe que no oriente não perdoam.
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Ilka Oliva-Corado.
28 de setembro de 2025.
Estados Unidos.


