Batido de frutas 

Tradução do Beatriz Cannabrava, Revista Diálogos do Sul

Tanita sempre desejou um batido de frutas, um sonho inalcançável em sua infância. Os liquidificadores eram imagens da que falavam nos anúncios de rádio, quando sintonizavam a Porfirio Cadena “O olho de vidro”. Que emoção, recorda Tanita, quando chovia no rádio, escutar os trovões que sacudiam o teto da casa, o som dos cavalos caminhando sobre a rua: taca, taca, taca, ta…  

 Imaginava que tudo aquilo acontecia entre os montes e se lhe perdia a mente entre os caminhos reais, os pés de goiabas vermelhas e os “zacatales”. Perguntava-se nas casas desse lugar também se iluminavam com lampião como a sua , ou se as meninas tinham que acarrear água da quebrada como lhe tocava a ela. Se tinham um rádio  Philips de bateria como o que tinha seu avô, se também remendavam a roupa e se faziam massa com sal quando faziam tortas. Se os homens dormiam em uma cama e as mulheres em outra, como em sua casa e nas casas das vizinhas de sua aldeia. 

 Se tinham redes pendurados das vigas no corredor e se em seus povoados também tinham jazidas de água .Se comprovam fiado o sal, o azeite e o açúcar e o pagavam com cargas de lenha, manojos do ocote e flores de izote na temporada, como em seu povoado. Se na cidade de Porfirio Cadena também as meninas  sonhavam ir a estudar e se em algum legar do mundo as mulheres podiam decidir não ter filhos. Se lavavam os dentes com sol e cinza e se faziam sabão de azeitona.

Na hora do almoço seu papai sintonizava “Mosaico em madeira”, o programa radial que lhe permitiu conhecer a formosa melodia da marimba. Um soluço silencioso umedecia seus olhos quando as notas deslisavam lentamente como bejucos entre as romãs dos matasanos e a árvore de jocote coroa, observando desde as alturas o chiqueiro dos porcos onde ela desgranava espigas para alimentá-lo. Sentia uma espécie de suspiro que se lhe ficava afogado na garganta, algo tão profundo e harmonioso como o canto das cigarras acariciando sua alma ao meio-dia ou como a escuridão da noite sendo cortejada pela luz dos pirilampos. 

 Que será a marimba, a que lhe chamam Terra fria, o altiplano guatemalteco? Tudo o que ele conhecia estava aí, o mais longe que havia chegado sua vista era Ahuachapán, El Salvador, quando se subia à pedra grande do pátio e lá ao longe assomava entre as árvores um punhado de tetos de telho. Seu mar era o rio Paz. Y um caminha estreita e serpentino, acolchoada de casca de árvores e encino vermelho, conacaste e chaparrones na fronteira entre Guatemala e El Salvador. 

Sempre teve perguntas que ficavam na garanta e que jamais se atreveu a verbalizar: porque as meninas não vão à escola e os meninos sim, porque os homens da casa não lavam a louça, porque só os homens têm permitido fazer torresmo, porque as mulheres têm proibido subir em árvore. O que é envelhecer? porque dizem os adultos que quando alguém está muito feliz e sorri porque algo mal passará depois, que melhor não esteja tão feliz e que  evite a desgraça. Porque é proibido estar feliz se a desgraça em realidade é ter amebas na barriga e estar cheio de piolhos. Porque as crianças se comem os mocos. E a pergunta fundamental de sua vida; porque os zompopos de maio dão tanta felicidade?

 O dia que emigrou à capital sendo adolescente , Tanita ao receber seu primeiro salário como empregada doméstica foi ao mercado na Terminal e com uma sede de todo uma vida comprou um batido de frutas, o sentiu tão insípido  que foi como tomar suco feito de milho branco. 

E surpreendida pela punhalada nas costas que lhe deu o progresso da capital, veio a acordar que o grande avanço  do que lhe falavam: o cimento e a urbanização, não chegava para que os filhas das empregadas domésticas também fossem à escola.  

Sangrando pela ferida, na gigante cidade conheceu às irmãs de muito músicos que tocavam marimba, quando no domingo se juntavam em Guatemala Musical, meninas e adolescentes que ao igual que ela, foram destinadas ao trabalho doméstico, enquanto os homens da casa eram os artistas respeitados,

 Então soube que o liquidificador não era um luxo, que o suco de frutas era inalcançável e que a imaginação era mais doce, acolhedora e humano que a realidade, então fez a sua própria revolução: começou a aprender a escrever o abecedário. 

Texto en español

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 Ilka Oliva-Corado. 

1 de junho de 2025.

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