Os dias chuvosos

Tradução do Beatriz Cannabrava, Revista Diálogos do Sul

Nas notícias anunciam um prognóstico de chuva que vai durar o dia inteiro. Román apaga o televisor e trata de dormir, lhe doem as articulações dos joelhos e das mãos, amanhã será um dia longo, cansado e de empapar-se.

Seu ofício de mil usos no supermercado coreano o deixa realmente extenuado, entre empurrar carrinhos que os clientes deixam espalhadas por todo o estacionamento, varrer e trapear o piso, limpar os banheiros, recolher o lixo da cafeteria, da peixaria, do açougue e dos recipientes que há dentro e fora para os clientes. Román, ao meio dia não dá mais. Apenas a metade de sua jornada.

Para ele, o clima não importa, se faz muito calor, se neva, se chove, tem que empurrar os carrinhos e colocá-los em ordem na área de entrada para que os clientes os encontrem à mão. Às vezes se endurecem os dedos das mãos e dos pés, sua economia não lhe dá para comprar sapatos para climas extremos como o inverno. Usa luvas de lã que tampouco ajudam muito com o frio. O inverno em Chicago não é como o de sua terra natal Trinidad de Copán, Copán, Honduras. Em seu povoado, o inverno é chuva que faz crescer os matos e encher os rios. Tem tanta saudade de seu país, mas não da violência e da pobreza de que saiu fugindo.

Vive nos Estados Unidos há 25 anos, é indocumentado, não fala inglês, cruzou o deserto de Sonora aos 55, não pagou coiote, foi pedindo carona aos reboques que o levaram a Sonora. Em alguns meses vai completar 81. Todos os dias busca entre os depósitos de lixo do supermercado alimentos que estejam em bom estado para levar para casa. O que ganha em 12 horas de trabalho mal dá para pagar o aluguel do porão que aluga e os recibos. Sua alimentação e a de sua companheira Lucila sai desses depósitos de lixo.

Lucila, de 75 anos, mexicana, indocumentada também, se mobiliza no pequeno porão em uma cadeira de rodas. Por causa da diabetes lhe amputaram uma perna. Mas todos os dias prepara os alimentos para que Román leve de almoço ao trabalho. Nas tardes arranja os ramos de flores que embelezam a sala, flores que Román escolhe e limpa cuidadosamente depois de recolhê-las no lixo.

Logo chegará o inverno e as dores de dentes e do reumatismo nas articulações farão que Román chore de tristeza e desespero empurrando os carrinhos, uma dor que só pode expressar com sinais a Lucila, que não sabe como, mas ela o entende, embora nenhum dos dois saiba a linguagem de sinais.

Román mastigará cravos para a dor de dentes e porá álcool canforado fermentado com folhas de arruda, como fazia em sua natal Trinidad de Copán, Copán, Honduras, quando chegavam os dias de chuva.

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Ilka Oliva-Corado @ilkaolivacorado

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