Reflexo de seu governo, Guatemala se tornou um país corrompido desde o alicerce até o telhado

Tradução do Beatriz Cannabrava, Revista Diálogos do Sul

Como se fosse pouco viver com um Narco-Estado, que violenta com polícia e exército, por ar, mar e terra e que impõe toque de recolher e estado de sítio às populações originárias que lutam defendendo suas terras e os recursos naturais das empresas mineiras estrangeiras que chegam para roubar as estranhas das montanhas; e que no processo realizam ecocídios com a autorização desses bandos criminosos que da poltrona do governo que, além do mais, é corrupto, racista, misógino, homofóbico e sumamente machista e patriarcal, a população guatemalteca violenta a si mesma. 

Um mar de neuróticos, sociopatas, violadores e feminicidas transitam pelas ruas livremente; na Guatemala se pode violar e assassinar crianças, adolescentes e mulheres sem que os culpados sejam julgados, porque a violência é a norma: violar, desaparecer e assassinar é o pão de cada dia. Em plena luz do dia, com mundos de pessoas vendo, que os violadores e assassinos sabem que não vão interferir, porque no país da covardia rege a norma: “em algo andavam metidos”, “se não é comigo não me meto”. E assim é como preferimos julgar antes de agir diante destes grandes níveis de violências que não podem crescer mais, porque o país não é maior.

Turbas de estafadores formam fila todos os dias no tráfico, em seus carros de modelo recente, com seu cabelo engomado e passado, com suas gravatas e seus sapatos de salto, com suas carinhas lavadinhas, bem barbeadas e maquiadas. Ninguém pensaria que essas licenciadas lavam dinheiro ou que esses engenheiros clonam cartões de crédito, ou que essas advogados desfalcam a quanta conta houver de poupança vinda das economias de seus familiares migrantes indocumentados nos Estados Unidos. 

Que esse docente de universidade megalomaníaco, premiado mais de uma vez, além de pedir sexo às suas alunas em troca de aumento nas notas também é parte de um bando de sequestradores que opera dentro da universidade, sendo ele a parte intelectual da operação. Na Guatemala não se sabe quem é quem, porque ter duas caras é a nossa especialidade.

Ninguém imaginaria que essa doutora que publica nas redes sociais frases motivacionais e notícias pontuais sobre infecções respiratórias também é parte de uma quadrilha que trafica com órgãos, porque na Guatemala nossa especialidade é viver de aparências. E como as aparências enganam, chamamos de violador ao vendedor de jornais por sua aparência física, também ao sepultador que trabalha no cemitério, diríamos que a jovenzinha que trabalha na montagem de roupas é parte de um bando de sequestradores, porque tem tatuagens, quando na realidade é mãe solteira com três crianças que deixa à cargo de seu pais e se mata trabalhando e não lhe sobram 4 horas de dia para dormir.

O nível de corrupção que pulula no governo é só uma amostra do que somos como sociedade. Se o governo queima aviões que chegaram para deixar droga no país, para eliminar todas as evidências, “eu também como cidadão posso queimar o que quiser que não me acontecerá nada”, pensa o delinquente, o assassino, o violador, o que desaparece com pessoas. Sabe que a impunidade é o DNA do país.

Se a partir do governo transitam automóveis oficiais sem placas, como nos tempos da ditadura de Ríos Montt, por que um cidadão comum tem que pôr placas no seu veículo? Também as tira ou às tapa, não paga o imposto devido e sabe que pode delinquir que ninguém irá investigá-lo. 

Se desde o governo violentam a ponta de metralhadora uma comunidade indígenas desarmada, queimam suas plantações, suas casas e suas coisas, os expulsam de suas terras, por que um delinquente comum não pode subir em uma moto e assaltar pessoas? Ou dar um tiro em troca de um pagamento que lhe alcance para o trago do dia ou a droga do dia?

Se no país do narco-Estado deixam que aterrizem aviõezinhos carregados de droga, por que um delinquente comum não vai vender droga nas ruas aos adolescentes que também cheiram cola?  Mas, quem dá essa droga ao delinquente comum, se é parte da droga que aterriza em aviõezinhos? Que autoridade moral tem o governo para dizer-lhe que não o faça?

Se não existem sequer os ministérios encarregados de dar à popular educação, saúde, trabalho, para o desenvolvimento e uma vida integral. Na Guatemala se trata de saquear os recursos do Estado e não é algo novo, é como na lei de Herodes…, é tonto e lento o que entra a um posto de governo e não rouba, é o pensamento do guatemalteco médio e a grande maioria queria estar nos postos dessa gente no governo a que chamam de sortuda. 

Deveria chamar a atenção os adolescentes que andam em moto roubando e matando em plena luz do dia: são pessoas que têm sido violentadas desde seu nascimento, seus pais e avós foram violentados institucionalmente; tirando-lhes fontes de trabalho, direito à educação, à saúde, metendo esquadrões da polícia para realizar assassinatos e desaparecimentos no que chamam de limpeza social. Essa polícia lhes assassinou irmãos, primas, pais, avós, por sua aparência física ou para diminuir a população da periferia como fazem com os motins nas prisões com regularidade.

Se lhes tiraram todos os direitos, se fizeram com que sentissem que eram lixo, os converteram em braço armado que realiza o trabalho sujo das quadrilhas que governam, não só agora, desde sempre, porque o presidente de turno é o boneco de agora, amanhã será outro. Se a esse adolescente lhe roubaram os sonhos, mataram seus afetos, o deixaram sem lugar onde apoiar-se emocionalmente, afetivamente, o que esperam que faça?

Vão dar o que receberam: violência. E são duplamente vítimas de um Estado repressor. Porque um adolescente comum, empobrecido, não pode conseguir uma arma de fogo, muito menos de grosso calibre, tampouco um veículo. São dados a eles para que executem o trabalho de intimidar a população dia após dia, porque um povo ajoelhado e com medo é um povo inservível, que não pensa, incapaz de agir e exigir seus direitos. Converte-se na massa covarde à qual desde o governo tiram até as coroas dos dentes para traficá-las. 

Na Guatemala procuram os contatos não o estudo, as pessoas sabem que com contatos poderosos e que se manejem na clandestinidade podem ter acesso a postos nos quais podem fazer e desfazer, porque os cobre o manto da impunidade. Esse negócio de esforçar-se e estudar e conseguir as coisas com luta, ficou para a geração que deu a vida nos tempos da ditadura; tudo o que veio depois foi o bagaço.

Nós somos o bagaço, os que violentam uns aos outros, os que julgam e apontam em lugar de ajudar, os que empurram outros para o precipício. Se pudéssemos aceder a um posto no governo também andaríamos de fanfarrões em carros blindados, com guarda-costas, com duas metralhadoras cada um, pagaríamos com cartões de crédito do Estado e ordenaríamos comida para toda a família com dinheiro do governo.

E os homens teriam acesso a bordéis VIP e como os maiores covardes também tirariam fotos e fariam vídeos para deixar prova dos machos que são. Claro que sim. As mulheres gastariam dinheiro em manicures, sapatos e roupas de marca, em maquiagem e perfumes caros, em cirurgias, para publicar as fotos como o fazem as deputadas e funcionárias públicas em altos cargos, sim, assim o faríamos porque somos guatemaltecos, é nosso gene a estafa, o saque, o abuso, a duas caras e a tibieza. 

O que vemos no governo é só o reflexo do que somos como sociedade, nenhum político chegou de outro planeta, o que vemos no Estado saiu das meras entranhas de um país apodrecido: de uma sociedade mestiça morna, racista, classista, misógina, homofóbica, machista e patriarcal. De uma sociedade medíocre, narcisista, psicopata, ególatra, sociópata e feminicida. O leque dos transtornos mentais é pouco para nós, todos pelo menos temos um ou dois. 

Poderá esta sociedade corrompida, limpar o gorgulho do feijão e guardar semente nova para o próximo plantio? 

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Ilka Oliva Corado @ilkaolivacorado

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