Abrir o coração para alguém que clama por ser escutado é algo que todos deveríamos praticar

Tradução do Beatriz Cannabrava, Revista Diálogos do Sul

Estou buscando varinhas de bambu para amarrar o talos dos girassóis que estão crescendo e já começam a dobrar; caminho entre as prateleiras cheias de vasos com uma variedade de verão, cores de flores fogo, amarelos de várias tonalidade e os verdes das folhas que vão desde o verde garrafa ao verde abacate. 

Os amarelos e alaranjados vivos. Idosos são contratados temporariamente para cuidar das flores na estação; se os vê regando-as, tirando as folhas secas e colocando-as cuidadosamente nas prateleiras. Os jovens estão na área de terra e adubo, carregando as sacolas e colocando-as nos carros dos compradores. 

O sol está a pino, é meio-dia e o calor de junho é abrasador; ainda não é verão oficialmente, mas o clima deixou atrás os dias frios de inverno que até os últimos dias de maio se resistia a ir embora. Eu vou à área dos vasos, outra paisagem fascinante, há os baratos que são de plástico para ir subindo de preço até os feitos à mão que custam um salário e meio.  

Os tamanhos variam para dar passagem à imaginação: um recipiente enorme cheio de flores de morto, ou de flores das dez, um azul copado de girassóis. Outro vermelho com flores alaranjadas e amarelas. É uma viagem ir aos viveiros de plantas; é uma viagem a outro mundo, onde tudo é puro, o mundo da natureza que sempre nos ensina que somos tão insignificantes, comparados com a imensidade de sua beleza e resistência. 

Encontro as varinhas de bambu que são mais baratas que as de plástico e se veem tão lindas sustentando os talos dos girassóis. Mas não têm preço marcado; ao meu lado está um senhor europeu falando com outra empregada negra, eu os interrompo e lhes pergunto o preço, o senhor imediatamente pega seu aparelhinho e escaneia a etiqueta e me diz o preço: quatro dólares e noventa e nove centavos o pacote com seis varinhas. 

A empregada vai para outra prateleira e o senhor fica conversando comigo; ao escutar meu inglês com sotaque latino-americano me fala em espanhol imediatamente e se apresenta; muito prazer, sou fulano de tal. 

Assombrada lhe pergunto se fala espanhol e me diz que sim, que aprendeu em seus trabalhos anteriores. De onde você é, me pergunta e lhe digo que da Guatemala; ao escutar o homem suspira e me diz que teve um chefe guatemalteco quando trabalhava em uma empresa de TV a cabo; hoje estou aqui, me diz, neste viveiro, mas tenho trabalho. 

Claro que sim, isso é o importante, lhe digo para animá-lo. Eu sou sírio, me conta imediatamente, e eu entendo sírio e lhe digo que eu li sobre seu país; não, não, me diz, agora já não é país. Não? Pergunto-lhe, Síria não é país? Bem, Síria sim, mas eu sou assírio, e busca em seu celular a internet e me mostra Assíria. 

Eu noto que está nervoso, buscando com a mirada se não o estão vendo seus superiores conversando sem fazer nada. Se quiser caminhamos entre as prateleiras, para que quando olhem pensem que está me mostrando algo. Seu rosto se ilumina e começa a caminhar. Tenho ainda 15 minutos, estou em horário de trabalho e devo regressar logo, mas noto sua necessidade de se expressar e encontrou em mim um canal receptor para fazê-lo, assim que nada me custa compartilhar com ele esse tempo.

Assíria, torna a repetir e se converte em um novelo de lã, desenrolando-se, me fala do cristianismo, da antiga Grécia, do que viveram há 700 anos, de que estão dispersos pelo mundo, que agora o povo assírio está regado pelo mundo. 

Como os armênios, lhe digo, que viveram o genocídio turco e agora estão regados pelo mundo; sua cara de surpresa com alegria dá continuidade à conversa; assim é, me diz, e me fala da grande Mesopotâmia, com a inquietação e a fascinação de um historiador. É um homem enxuto, muito magro, com um metro e sessenta de altura, ficando calvo, apenas com uns quantos cabelos loiros, vestido com calça de lona e camisa quadriculada com as mangas arregaçadas.  

Seguimos caminhando entre as prateleiras; me encanta falar com pessoas como o senhor, lhe digo, assim inteligentes; sorri e me responde: a mim também. E continua o novelo desenrolando-se e eu o escuto fascinada, ele se desborda, a história de seu povo lhe sai pelos poros; cada vez que falo, me lê os lábios e eu falo mais devagar para que possa entender o espanhol; ele também fala devagar, averiguando as palavras, buscando-as na sua memória para ordená-las e poder falar.

Damos a volta ao viveiro e eu me despeço, terminaram meus 15 minutos de tempo e tenho vontade de dar-lhe o meu número de telefone, para que algum dia nos juntemos para tomar um café e conversar de seu povo, das migrações dos assírios, dos armênios, da antiga Grécia, do Oriente Médio, dos muçulmanos e dos cristãos e todos essas guerras de séculos atrás que ele tem a ponta da língua. Mas, tenho a má sorte de que sempre que dou meu número de telefone a um homem em situações assim, pensam que o que quero é cama; assim me despeço com a vontade de seguir a conversa. 

Começo a caminhar para a caixa para pagar as varinhas de bambu; ele emocionado me pergunta se posso entrar no site de internet do viveiro e falar de seu trabalho, de como me tratou, me mostra seu nome na camisa, eu lhe digo que sim, que com muito prazer. Aqui estou, nesta área sempre, venha, regresse qualquer dia e seguimos conversando me grita pela última vez.

Claro que sim! Respondo. Faço o pagamento e vou embora com minhas varinhas de bambu e um conhecimento novo sobre os assírios dos quais não tinha a mais mínima ideia. Abrir a alma e o coração diante da necessidade de expressão de alguém que clama por ser escutado, é algo que deveríamos praticar todos os seres humanos; nos surpreenderíamos das coisas que aprenderíamos dos demais. 

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Ilka Oliva Corado @ilkaolivacorado

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