Guatemala: É hora de sair das redes sociais e ocupar as ruas que são testemunhas da história

Tradução do Beatriz Cannabrava, Revista Diálogos do Sul

Deveríamos ter um mínimo de vergonha, já que não temos coragem. Um mínimo de indignação que nos tire das redes sociais que aguentam tudo e ocupar as ruas que são testemunhas da história do país.

É fácil a comodidade de uma rede social, mas isso é maquiagem, um verniz, palavrório, oratória; aí não se conseguem as mudanças de raiz e a Guatemala é um país podre.

Responsabilidade da própria sociedade mestiça e urbana, incapaz de se unir aos povos originários em sua enorme dignidade e força de luta, que têm a coragem de se apresentar onde seja preciso fazê-lo, no dia que seja, com isto lutando constantemente para resgatar o país das mãos dos bandos de criminosos que ocuparam o Estado após a ditadura.

A Guatemala tem sido um declive desde a ditadura. E a sociedade passiva e insensível é um alude que socava qualquer esperança pela reconstrução não só do tecido social, mas das estruturas governamentais que têm servido como o enorme tentáculo com que estas máfias afanam não só o dinheiro, também os recursos materiais, para negar qualquer oportunidade de desenvolvimento a um povo ajoelhado diante do medo. Mais que do medo, ante a indiferença. A indiferença é mais poderosa do que o medo. O medo faz reagir em seu momento, a indiferença devasta. 

Nos acostumamos ao horror em tempos de democracia, uma democracia disfarçada, é claro, porque a Guatemala vive uma versão renovada da ditadura de décadas passadas. Com a diferença que antes as pessoas reagiam, mas hoje os protesto se dão apenas nas redes sociais, porque a coragem para fazer uma paralisação geral indefinida só a têm os povos originários: os mais golpeados, os que sempre foram humilhados, pelo governo de turno e pela sociedade racista e mestiça, a mesma que se pavoneia digna nas redes sociais e em sua infinidade de etiquetas. Mas que está a anos luz de aproximar-se minimamente à grandeza dos povos originários. 

O horror como mecanismo de imposição governamental até o momento não nos tocou as fibras mais profundas e na verdade não creio que as tenhamos, assim como não temos coragem, não temos respeito algum pela infância e muito menos amor. Sem respeito e sem amor não nos importa o que aconteça à infância, enquanto não sejam nossos filhos.

Não nos importa o que aconteça com as adolescentes, enquanto não sejam as de nossa família. Que violem e matem as mulheres que queiram, enquanto não sejam as de nosso círculo familiar. Sentimos muito, mas não passa da pena que nos dá e essa pena com uma indignação pela metade só nos alcança para queixas nas redes sociais. Porque não significa nada, tampouco. 

O horror não deveria ser uma violação e o assassinato de uma menina. O feminicídio de dúzias de mulheres. O horror em uma sociedade consciente, com um mínimo de inteligência e de dignidade deveria ser que os parques não sejam regados pelo menos três vezes por semana. Esse deveria ser o horror, esses deveriam ser os limites.

Mas começando que não temos nem parques, nos negaram o direito à recreação ao ar livre em zonas adequadas para alimentar o desenvolvimento integral da infância. Nos negaram o direito ao sistema de saúde, a um sistema educativo, à alimentação, à recreação, nos negaram o direito à liberdade de movimento e estão por negar-nos a liberdade de pensamento.

Sobrepassamos todos os limites que deveriam indignar-nos em seu momento. Secaram os rios, talaram os grandes bosques, hoje são ecocídios os que nos falam e as mineradoras levando os minérios a outros países. O início disso devia ter sido o horror e aí devíamos ter reagido. Mas como aí viviam as comunidades indígenas e não nós, que lhes fizessem o que quisessem que nós estávamos felizes com os centros comerciais. Permitimos que os criminosos desde suas comodidades oligárquicas com controle remoto utilizem o Estado para degradar-nos. 

Nos têm medido a água, a quanto temos a pressão, com que somos capazes de nos indignar. Temos servido a eles de experimento em todos esses anos. E como o racismo e o classismo, a preguiça e insensibilidade são superiores a qualquer pensamento de unidade e coragem, então nos balançam do direito e do avesso. Nem sequer entraram em nossas casas, batendo a porta como em décadas passadas na ditadura, hoje nós a deixamos abertas para que entrem, levem o que quiserem e façam conosco o que quiserem, porque perdemos qualquer capacidade de reação. Somos um país morto. 

Mas ainda falta mais, o horror está apenas começando, sigamos passivos, indiferentes, lançando gritos nas redes sociais. A Guatemala necessita de verdadeira coragem e isso só a têm os povos originários. Os que sempre enfrentaram de peito aberto e lutaram com altivez milenarmente. O demais é bagaço, por muito título de universidade que tenha, pendurado na parede ou como é a moda, posto nas redes sociais. Somos lamentavelmente a sociedade mestiça das grandes revoluções de redes sociais, ou seja: uma simples brincadeira de carnaval. 

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Ilka Oliva Corado @ilkaolivacorado

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